sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Record Store - Brunnenstrasse, 186.

Na minha primeira manhã em Berlin, eu acordei, abri os olhos e não tive aquela sensação que sempre tenho quando viajo. De não reconhecer o lugar onde estou. Eu nem tive o cuidado proustiano de recaptular a disposição dos móveis durante o minuto que antecedeu o ato de abrir os olhos. Eu podia ouvir a música que vinha da sala e isso foi o suficiente para que eu me sentisse em casa. Essa é a verdadeira razão pela qual trouxemos os nossos vinis na bagagem de mão. Atravessamos os corredores intermináveis que nos levavam do terminal 1 ao 2 do aeroporto de Frankfurt sentindo a nossa casa pendurada em nossos ombros. Nos revezamos com a sacola pesada. Estávamos tranquilos. A viagem calma. A garantia de que podemos ter nossa casa em qualquer lugar foi nos deixando cada vez mais leves. Em breve seríamos tudo o que precisamos para nos bastar: nós três, uma casa aquecida e alguns dos nossos vinis. Nem precisamos trazer todos. Apenas aqueles que não encontramos facilmente. Podemos reconstruir nossa coleção de vinis em qualquer lugar. Essa talvez seja a medida do tempo exato para viver em cada cidade. A partir do dia em que chegamos, o tempo que levamos para reconstruir nosso conjunto essencial de vinis. O essencial é um estado totalmente provisório e sabemos disso. A sincronicidade é a nossa única garantia diante da provisoriedade dos nossos gostos e desejos. A contingência essencial das relações pendurada pelo fio da sincronicidade, duas alças de uma bolsa cheia de vinis.

Podemos viver profundamente uma cidade apenas deixando-nos surpreender com as descobertas da atividade de buscar discos. Fechar os olhos, prestar atenção na letra da música que toca no radio, ligado em uma estação que você descobriu por acaso. Ou a música que toca no café onde passamos a tarde. Andar pelas ruas certas. Encontrar as pessoas certas. O cara que prometeu ter neil young quando eu voltar em sua loja. O garoto loiro da loja de vinis novos que interrompeu seu sanduiche para comentar sorrindo que eu tinha feito bem de voltar a sua loja para resgatar johny cash daquele amontoado impessoal de discos dispostos atrás da letra C.

Encontrar vocês por acaso na loja de vinis usados é a prova de que, de alguma maneira, em algum momento, nos encontraríamos na vida. Uma espécie de destino. Algo que já está na nossa memória.

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